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DO QUE SOMOS CONSTITUÍDOS

Somos postos no mundo por mais de um outro, por mais de um sexo, e que nossa pré-história faz de cada um de nós, bem antes de nascermos, o sujeito de um conjunto intersubjetivo, cujos sujeitos nos têm e nos mantêm como servidores e herdeiros de seus “sonhos de desejos insatisfeitos”, de seus recalcamentos e de suas renúncias, na malha de seus discursos, de suas fantasias, de suas histórias.
A herança geracional é componente da vida psíquica de todo ser humano. Manejar e remanejar esse material nas sucessivas etapas da vida, de maneira a ter um jeito próprio de ser herdeiro, requer muito trabalho psíquico.
A possibilidade de marcar uma diferença passa pelo pertencer a um grupo familiar e, ao mesmo tempo, fazer da herança geracional algo pensado e sentido, transformado e simbolizado, ou seja, algo apropriado. A herança pressupõe o trabalho de fazer algo próprio, de historicizar. Caso contrário, fica-se alienado na história familiar, na história de um outro, sem conseguir se posicionar-se em relação a ela, o que faz com que sejamos errantes de algo que vagueia por meio das gerações em busca de simbolização. Errantes aqui está sendo utilizado em oposição a herdado; trata-se daquilo que segue vagando sem a possibilidade de apropriação, enquanto herdado é aquilo que, por fazer próprio, permite um posicionar-se em relação a própria história. Na constituição de sujeito, temos pelo menos sete envolvidos: avós maternos e paternos, pai e mãe e a própria pessoa. É na complexidade das inter-relações dos ditos e não ditos, dos segredos, das demandas, que temos os fios da trama familiar.

BASES FENOMENOLÓGICAS

A Fenomenologia pode ser simplesmente definida como sendo uma técnica que reconhece o que é, sem preconceitos, nem preconcebimentos. É muito mais difícil do que parece à primeira vista e requer prática e treino mental.
A Fenomenologia ocidental iniciou-se como um movimento filosófico. É o estudo do fenômeno: a aparência das coisas, ou as coisas tais como aparecem na nossa experiência, ou as maneiras como experimentamos as coisas, ou seja, o significado que as coisas têm na nossa experiência.
A Fenomenologia estuda a experiência consciente desde o subjetivo ou desde o ponto de vista do “eu”.
A Fenomenologia foi desenvolvida por Edmund Husserl (1859-1917). Foi influenciado por Immanuel Kant (1724-1804) que desenvolveu a ideia de que as estruturas mentais precedem a experiência. Estas idéias ainda hoje fazem eco em cientistas cognitivos que diriam que as estruturas mentais filtram a experiência. Desta forma, se duas pessoas têm estruturas mentais diferentes, então as suas experiências serão diferentes.
A Fenomenologia Existencial desenvolveu-se a partir do trabalho de Martin Heidegger (1889-1976) que indicou a impossibilidade de separar as experiências vividas das crenças e práticas culturais consensuais (Varela 1998 p.19).
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) sublinhou isto quando disse que, como a Fenomenologia é um discurso posterior à experiência, não pode recapturar a riqueza da experiência propriamente dita (Varela 1998 p.19).
Portanto, a descrição de um pôr do sol não é a mesma coisa do que a experiência do pôr do sol.
Durante a primeira metade do século XX, o psiquiatra suíço Ludwig Binswanger (1881-1966) foi o primeiro a combinar a psicoterapia e o existencialismo através do seu trabalho com pacientes como Diretor Médico de um sanatório.
A Fenomenologia Existencial começou a influenciar as psicoterapias de uma forma mais significativa com o desenvolvimento da psicoterapia existencial nos anos 60 e 70, como se viu no trabalho de Victor Frankl (1905-1997) e de Irving Yalom (n. 1931).
A Psicologia Humanística e a Terapia Gestalt também foram influenciadas pela aplicação da Fenomenologia Existencial.
A Fenomenologia foi originalmente desenvolvida por Husserl, em oposição à Psicologia da época, que caminhava para uma via cientificista e extremamente organicista.
A Fenomenologia pretende alcançar a essência dos fenômenos – ou seja, do que se apresenta naquele momento – através não da análise ou de interpretações (como faz a Psicologia e a Psicanálise), mas da descrição do fenômeno.
Husserl dizia que a consciência se caracteriza pela intencionalidade, ou seja, o ato em si se refere (e revela) ao que ele significa.
Não é preciso interpretar o fenômeno porque ele apresenta um sentido próprio (princípio da transparência), que pode se revelar através de gestos, postura corporal, palavras, movimentos, sensações, entre outras tantas possibilidades.
Então a Fenomenologia cuida da observação direta da experiência subjetiva, e não da sua análise.
Para tanto, Husserl propunha o que ele chamou de “redução fenomenológica”, ou seja, a substituição da análise dos fatos pela intuição da essência dos fatos, e a “epoché” que é um estado mental não racionalizador que põe de lado todos os conteúdos intelectuais e elaborações, dando espaço à intuição que vai acessar o conteúdo da consciência e a essência do seu significado.
Husserl chamou a Fenomenologia de “Ciência Eidética Descritiva” por ser uma psicologia descritiva, que busca revelar a essência baseada em evidências.
Intuitivamente Husserl tinha conhecimento do sexto sentido e da realidade sistêmica da vida.
Ele acreditava que o mundo externo era moldado pelo mundo interno.
E a leitura intuitiva do que o mundo interno manifestava como fenômeno, era a porta para se acessar a essência deste mundo interno.