busca da felicidade

O COMÉRCIO DA FELICIDADE

Faz algum tempo que a ordem do dia é ser feliz. Parece que nunca estivemos tão afoitos pela tal felicidade, como se ela fosse um cometa que só passa uma vez a cada década. Mais do que isso: nunca fomos tão obrigados a ver esse cometa, a não poder perder sua passagem sob pena de nunca mais termos a incrível e única sensação de ver um. Como eu vou me sentir sabendo que todos o verão e eu não?

A chegada definitiva das redes sociais há cerca de 20 anos desatou a inquietação pela vida do outro, que até então tinha barreiras maiores de privacidade. Começamos a ver maiores detalhes de como as pessoas viviam seu cotidiano, ou melhor, de como mostravam aos outros o que escolhiam mostrar do seu cotidiano – sempre na melhor foto, na melhor poesia, na melhor viagem. Fomos nos acostumando a encontrar nossos pares, nas redes, sempre felizes, e, mesmo entendendo que aquelas postagens eram apenas seleções de uma vida muito maior, acabamos admitindo aquela forma de perceber o outro como sendo uma vida inteira, oficial.  Ao mesmo tempo, comparávamos o que víamos com o que vivíamos.

Não demorou para a felicidade começar a ser vendida. A comparação nos levou a querer ser feliz da mesma forma, com a mesma intensidade, com a mesma frequência. Começaram a surgir blogueiras e influenciadores que exalavam uma felicidade fácil, atingível, ao alcance de todos. Ser feliz ficou simples, tão simples que por todos os lados havia alguém te oferecendo o seu padrão de felicidade em parcelas muito suaves, em parcelas simples, felizes.

De tão simples e fácil, tornou-se obrigatório. Na liquidação da felicidade, ninguém podia ficar de fora, porque todos podiam e tinham que ser felizes, afinal era uma mesma fórmula, que, repetida, sempre resultaria da mesma forma. Era simples, fácil, obrigatório e igual. Se você não tivesse aqueles mesmos dias sempre em uma praia em plena terça-feira… Opa… Talvez o problema fosse você.

Estamos ficando doentes buscando essa felicidade alheia. Quando tentamos repetir o padrão vendido, deixamos de lado nossas particularidades, nossos desejos, nossa identidade, porque selecionamos um tipo específico de objetivo que pode ter feito bem a alguém, mas não necessariamente terá o mesmo efeito em nós.

A ideia de felicidade de alguém pode ser absolutamente diferente da minha: viajar para a Europa pode ter a mesma força que ter dinheiro na carteira amanhã, ou curar um câncer, ou conseguir um emprego, ou tirar animais da rua. Ninguém pode se sentir como você se sente ao realizar um sonho para lhe dizer com o que sonhar. É por isso que ninguém pode vendê-la.

Ao mesmo tempo, precisamos entender que não a atingiremos o tempo todo. Pelo contrário, às vezes nos sentiremos tristes, angustiados, cansados, enraivecidos, nada felizes. E não podemos nos culpar por nos sentirmos assim: não há nada de errado em não estar bem, porque é normal não estar bem de vez em quando. Além disso, haverá momentos em que estaremos apenas vivendo, lendo, pensando, nem bem, nem mal. E estará tudo bem também.

Você deve se lembrar de um momento em sua vida em que se sentiu feliz, seja ele qual for: o nascimento de um filho, uma noite inteira vendo séries, uma balada com os amigos, uma bonificação na empresa, a aprovação no vestibular… Repare como essa simples lembrança parece fazer você reviver o que sentiu. Aliás, perceba como você não precisou de muito tempo para se recordar deles. É que a felicidade não tem que ser diária, recorrente, ajeitada. Como ela seria se fosse banalizada? E qual seria o sentimento desses momentos especiais para se diferenciar do banal? É por isso que ela às vezes acontece e nem percebemos, só nos damos conta quando olhamos para trás.

A necessidade de ser feliz parece ter começado a nos sufocar, no entanto. Essa caçada é cruel com a nossa própria natureza, porque acreditamos que temos que ser felizes o tempo todo, em todos os lugares, a qualquer custo. Então, em vez de atingirmos o bem-estar que convencionamos ser igual ao do outro, ficamos ansiosos para atingir esse objetivo, que não é nosso. Acabamos nos sujeitando a situações que, numa visão mais ampla, não são nada além do inverso do que achamos que estamos buscando. Não conseguimos chegar àquele lugar, ou conseguimos e não sentimos o que nos prometeram…

E nos frustramos. Descobrimos que a felicidade que escolhemos buscar porque todo mundo estava vivendo não era feita para nós; era uma espécie de enlatado produzido em massa que não nos considerou como indivíduos, que não contemplou nossos anseios, que não refletiu nossos sonhos mais íntimos.

É preciso que saibamos que a vida das redes sociais é um recorte escolhido para caber perfeitamente ali, na nossa imagem virtual. Não podemos traçar uma comparação entre aquelas pessoas em suas vidas selecionadas e nossas vidas inteiras, com todas as suas cores, porque estaremos comparando o virtual e o real. Todos temos uma vida real com bons momentos e maus momentos. Não tenha medo de na estar sempre bem. Ninguém está.

Os moldes estão errados. Essa explosão sensacional de cores festivas e de sentimentos efusivos não precisa ser a imagem da felicidade. Ela não precisa de um cenário pirotécnico, ela não precisa ser a cena de um filme, ela não precisa ter trilha sonora. Ela não carece de estruturas megalomaníacas, nem de holofotes, nem de alto-falantes. Acima de tudo, ela não precisa de porta-vozes. Sua felicidade foi feita para você.